Ad infinitum

O complexo desenrolar dos fatos é sempre entendido no processo interminável da vivência.
Não há o fim, o momento final onde tudo se desenrola, se estabelece.

Os bons, genuinamente bons, só colhem os louros da vitória.
Os ruins, os vilões, morrem, são presos, sofrem, ou fogem pra enganar outros.
Isso se chama novela. Isso é final de livro ruim.

A vida real não é só resultado e ponto final. São vírgulas, ponto e vírgulas, parágrafos e mais parágrafos desconexos.

E tenho pena de saber que as coisas que eu quero muito hoje acontecerão no momento em que eu não precisar mais delas.

[nem te] conto.

O fato de eu não ter levantado os meus olhos do livro não significa que ele não saiba que eu o reconheci. A tremida leve no canto dos meus lábios devem ter me denunciado.
Mas também quem pode me culpar?
É ele quem continua a usar o mesmo perfume. E a mesma blusa xadrez.

Quando ele se aproximou e parou ao meu lado, eu senti a fragrância invadir minha mente de lembranças e meus olhos que iam de um lado pra outro nas páginas do romance paralisaram.

E se não fosse o perfume, eu nem me lembraria dele.
E se não fosse aquela foto nossa que eu guardo no terceiro livro da estante e que eu olho todas as quartas-feiras, eu nem reconheceria o seu rosto.
E se não fosse eu mesmo quem tivesse dado pra ele a blusa xadrez no natal de 2009, ele seria mais um na multidão.

Eu nem me lembrava mais o que estava lendo. Virava as páginas de maneira despreocupada. Umas vezes mais rápido, outras mais devagar. Enquanto ele parado ao meu lado, não fazia nada. Era como se ele tivesse escolhido aquele lugar por acaso.

Eu não fazia ideia de quanto tempo aquilo duraria. Não sabia em que estação estava. Não sabia em que estação ele saltaria.

Depois de um tempo que pareceu uma eternidade, ele se mexeu. Caminhou em direção à porta contrária. Eu levantei a cabeça e o segui com o olhar. A composição parou na estação e ele desembarcou sem olhar pra trás.

Então ele havia realmente me esquecido, como havia prometido fazer.
Que bom que eu também.

Solo.

costumavam me dizer que a concha tem o barulho do mar. Mas quando eu colocava uma concha no meu ouvido, não havia sequer uma onda. Eu pensava que então a concha reproduzia o barulho do mar sereno. Calmo. Sem nenhuma manifestação de sua existência que não fosse percebida pelo olhar.

E toda vez que eu tinha uma concha, eu fechava os olhos. Eu via o mar. Eu me arrepiava com a leve brisa. Eu sentia o cheiro da maresia.

O silêncio criava um mundo inteiro.

Eu acreditava que pra ser plena, eu precisava estar apaixonada. Um coração preenchido era um coração satisfeito. E eu fui de amor em amor, paixão em paixão, até a última das últimas decepções. Um coração hoje flácido, alargado até suas últimas consequências, cansou de tanta entrega. De mesmo quando eu não era toda, eu era inteira.

E eu amei pra sempre cada um deles. E em cada um eu morri um pouco, eu achei que seria diferente, e fui igual. E me apeguei a qualquer detalhe. Eu me prescindi.

E agora no vazio, que é também espera. O hiato merecido. Eu não ouço nada. Nem o barulho do mar sereno. Nem o vento, nem a maresia me abordam.

Estou só.

Destino, você está atrasado.

Seguindo a lógica do
"Quando tudo nos parece dar errado,
acontecem coisas boas
que não teriam acontecido
Se tudo tivesse dado certo."
[foi Renato Russo quem falou isso mesmo?]

foi melhor assim. A gente repete. Quase uma oração.
Sempre que algo não dá certo, ou pelo menos não do jeito que eu entendo ser certo, eu penso: foi melhor assim.

Quase um recalque do destino. Ele me fode, vai contra meus desejos, minhas vontades, ignora meus esforços e para me consolar, eu reitero: foi melhor assim.

Ou eu parto para a variação: vai tudo dar certo na hora certa. No momento certo, aquele em que você não espera. Na ponta do precipício, no último segundo para desarmar a bomba. Quando todas as esperanças já se foram, quando você não tem mais expectativa de nada.

É geralmente nessa hora.
Tipo, AGORA.

Cadê?