trabalho, alhos e bugalhos!

eu costumava caminhar para o trabalho. Era a forma de eu me iludir que fazia uma atividade física todos dias - mesmo com a roupa e com o calçado inadequados. Era uma rotina curiosa. Descia a rua e sempre encontrava o mesmo mendigo no mesmo local. Sua pele negra contrastava com a parede branca do prédio no qual ele se encostava. Todos os dias ele estava atendendo uma necessidade humana, que nós em nossas casas fazíamos no privado: fosse urina, fezes, ou até uma masturbação matinal, afinal quem não gosta de um dia começado com um orgasmo.

Eu passava por ele tentando não reparar. Mamãe me ensinou que reparar é feio. Então eu dava àquilo a naturalidade que aquilo devia ter e não tinha. Atravessava a rua e passava por um dos locais onde a educação é mercadoria cara. Recentemente, outro prédio da mesma instituição foi construído ao lado. O desenho é de Niemeyer. O local é enorme, com um longo pátio e dois lagos pequenos e um jardim. Tudo devidamente cercado por grades. A obra é para ser vista de longe. Um único guarda vestido de terno preto no calor carioca se certifica disso.

Caminho pela rua que se chama praia, mas a praia mesmo está a 4 pistas de distância. A vista mais bonita dessa cidade tem uma das baías mais sujas do mundo. O cartão postal está sempre no meu horizonte. Eu me dirijo para o bairro onde ele se localiza. Mas o cartão postal é como um sonho. Eu me aproximo dele todos os dias sem nunca realmente tocá-lo. Meu destino fica um quilômetro antes. 

Da minha janela eu vejo o mar. Vários barquinhos e a ponte que liga um município ao outro. Se você prestar atenção, dá para ver, vez ou outra, um avião pousar no aeroporto. O bondinho desce, sobe. Os passarinhos cantam, enquanto as palmeiras balançam com o vento.

Mas a universidade se expandiu e nos mudamos. Agora da minha janela cinza eu vejo um outro prédio com muitas antenas no topo, com muitos símbolos, de muitas operadoras, embora a recepção do celular seja péssima na minha nova sala.

Não caminho mais. Corro para atravessar 4 pistas sob a pressão do homem verde que a qualquer minuto pode virar uma mão vermelha. Dá para sentir todos os carros com a marcha devidamente engatada, os ônibus como touros nervosos prontos para atacar. Ando por entre centenas de pessoas e centenas de pessoas passam por mim.

Agora sou parte da selva de pedra. Os sinos da igreja anunciam o meio dia. O ascensorista me alerta sobre a quantidade de assaltos e a minha sala não tem porta. 

Estou num andar tão alto quanto qualquer expectativa. 



Esperança é...



esperar e/ou lutar por algo que, mesmo em face de todas as dificuldades e adversidades, e em que pesem as suas contradições e impossibilidades, ainda tem chances de acontecer, porque você acredita...