a política cotidiana na "democracia" bienal

em tempos eleitorais, ter conhecimento é pior que estar contaminado pelo ebola. As pessoas te evitam, evitam qualquer pessoa com quem você tenha tido contato nos últimos dias. Você está de quarentena. Depois que o domingo vinte seis passar, elas vão voltar a ser as mesmas.

Uma pessoa com o mínimo de conhecimento nessa época é uma pária. É como se o mundo normal fosse composto de 3 tipos de pessoas: as que veem e ouvem, mas não falam. As que ouvem e falam, mas não veem. E as que veem e falam, mas não ouvem.

as que veem e falam, mas não ouvem, enchem os ouvidos das que ouvem e falam, mas não veem e que por sua vez, perturbam os pobres que ouvem e veem, mas não falam.

E aquele miserável ser humano que vê, ouve e fala, agoniado pelo fardo do conhecimento que lhe assombra não só em tempos eletivos, não vê a hora da segunda vinte e sete chegar.

quem te espera?

arrumo mais uma prateleira da estante. Organizo os livros por cor. Desisto. Melhor por ordem alfabética. Autor ou título?

O que importa? Sento na cama, olho o espelho. Expiro, inspiro. O relógio fez tic.
Você ainda não chegou.

Vou ao banheiro, lavo o rosto, mijo, lavo a mão, penteio o cabelo, retiro um cravo, tiro um pelo no canto da sobrancelha. O relógio faz tac.
Você ainda não chegou.

Vou até a cozinha, descasco uma laranja. O sumo é doce. Engulo os caroços. Pego uma banana ainda meio verde. Sento no banco em frente ao fogão. Abro a geladeira. Fecho. Abro o armário. Fecho. O relógio fez tic.
Você ainda não chegou.

Na sala, eu sento no sofá, ligo a tv, procuro um programa, começo três não termino nenhum, O relógio faz tac.
Você ainda não chegou.

Pego o celular, jogo um jogo, perco outro. Vejo o feed do fb, as notícias que a mídia selecionou, a previsão do tempo para os próximos dias... fará sol e choverá. Haverá dias nublados quentes e outros frios. O relógio parou.
Você ainda não chegou.

...

- eu não quero mais saber dessa conversa.
 
E foi-se embora.
 
Volte aqui, ela pensou. Em vão. Ela não voltaria. Não agora. Talvez nunca. Tomara que não nunca. Ela gostava da outra. Era um alívio tê-la. E era uma delícia também, dessas que a gente se lambuza e come com os dedos e suja as mãos. E depois encontra pedaços dela em locais esquisitos e isso traz uma lembrança boa de como foi bom tê-la e aquilo deixa em você um desejo pungente que implora para ser saciado antes que você transborde.
 
E algumas vezes eu transbordei antes de ter a possibilidade de fazer a coisa com a propriedade que ela merece, com a paz e o descanso e a atenção. Pensando agora, ela sempre foi uma intensidade que eu não podia controlar, senão me entregar e sair deixando suas marcas onde pudesse.
 
Ah... vontade de escrever como era bom tê-la.
Mande notícias.

trabalho, alhos e bugalhos!

eu costumava caminhar para o trabalho. Era a forma de eu me iludir que fazia uma atividade física todos dias - mesmo com a roupa e com o calçado inadequados. Era uma rotina curiosa. Descia a rua e sempre encontrava o mesmo mendigo no mesmo local. Sua pele negra contrastava com a parede branca do prédio no qual ele se encostava. Todos os dias ele estava atendendo uma necessidade humana, que nós em nossas casas fazíamos no privado: fosse urina, fezes, ou até uma masturbação matinal, afinal quem não gosta de um dia começado com um orgasmo.

Eu passava por ele tentando não reparar. Mamãe me ensinou que reparar é feio. Então eu dava àquilo a naturalidade que aquilo devia ter e não tinha. Atravessava a rua e passava por um dos locais onde a educação é mercadoria cara. Recentemente, outro prédio da mesma instituição foi construído ao lado. O desenho é de Niemeyer. O local é enorme, com um longo pátio e dois lagos pequenos e um jardim. Tudo devidamente cercado por grades. A obra é para ser vista de longe. Um único guarda vestido de terno preto no calor carioca se certifica disso.

Caminho pela rua que se chama praia, mas a praia mesmo está a 4 pistas de distância. A vista mais bonita dessa cidade tem uma das baías mais sujas do mundo. O cartão postal está sempre no meu horizonte. Eu me dirijo para o bairro onde ele se localiza. Mas o cartão postal é como um sonho. Eu me aproximo dele todos os dias sem nunca realmente tocá-lo. Meu destino fica um quilômetro antes. 

Da minha janela eu vejo o mar. Vários barquinhos e a ponte que liga um município ao outro. Se você prestar atenção, dá para ver, vez ou outra, um avião pousar no aeroporto. O bondinho desce, sobe. Os passarinhos cantam, enquanto as palmeiras balançam com o vento.

Mas a universidade se expandiu e nos mudamos. Agora da minha janela cinza eu vejo um outro prédio com muitas antenas no topo, com muitos símbolos, de muitas operadoras, embora a recepção do celular seja péssima na minha nova sala.

Não caminho mais. Corro para atravessar 4 pistas sob a pressão do homem verde que a qualquer minuto pode virar uma mão vermelha. Dá para sentir todos os carros com a marcha devidamente engatada, os ônibus como touros nervosos prontos para atacar. Ando por entre centenas de pessoas e centenas de pessoas passam por mim.

Agora sou parte da selva de pedra. Os sinos da igreja anunciam o meio dia. O ascensorista me alerta sobre a quantidade de assaltos e a minha sala não tem porta. 

Estou num andar tão alto quanto qualquer expectativa. 



Esperança é...



esperar e/ou lutar por algo que, mesmo em face de todas as dificuldades e adversidades, e em que pesem as suas contradições e impossibilidades, ainda tem chances de acontecer, porque você acredita...

Felicidade provém de uma memória ruim.

caminhando por essas estradas escuras, eclipsadas por anos e anos de orgulho ferido e ego manchado, não há dilatação de pupila que dê conta da penumbra que ronda essa decisão. Felizes aqueles que percorrem leves seus caminhos, sem os tropeços que nos causam o olhar constante para trás.


inefável pirraça

essa vida é uma tremenda insensatez. Tudo é contraditório, é complexo, é difícil, é estranho, tem dois lados e duas medidas. Você veja só, acabei de sair de jet pilot do system, ouvido, gritado, cuspido para um John Mayer que eu sinceramente nem me lembro de ter nesse computador. Culpa do aleatório, do acaso que não tem lógica.

essa vida é um tremendo disparate. As pessoas são superfície. E estamos sempre pensando de que forma seríamos melhores para os outros. É insuportável a ideia de que alguém não goste da gente pelo o que somos. Ninguém repara o espantoso elogio que isso é. Devia me preocupar que as pessoas não gostem de mim pelo o que eu não sou.

Pronto, começou Caetano. E "existirmos a que será que se destina"? Se não para ver nossos desejos despedaçados em ingênuas decepções de quem não sabe pedir. Sempre rezo antes de dormir para Deus para que aconteça o melhor e que por favor o melhor seja o que eu quero. E até hoje não foi. E de alguma forma as coisas sempre se ajeitam. Traquinas essa vida.

vivo numa eterna desorientação. Sou a sede de todas as mágoas. Me tiraram os acentos de ideia, assembleia e heroico e micro-ondas agora se escreve separado. Até dizer o que sinto ficou mais arriscado. Nunca se sabe quando estaremos infringindo uma daquelas leis que tenta nos equalizar. 

Nós, que somos tão diferentes... 



Procura-se um dom.

existe uma escritora em potencial dentro mim extremamente travessa e sarcástica. Agora ela deu para me dar as melhores ideias de textos quando estou no banho. Estou lá, cuidando da minha higiene diária e lá vem a ideia, mais fluída e livre que bolha de sabão. E as frases se formam uma atrás da outra. As coisas fazem um sentido incrível. Eu declamo aquele texto com o prazer de orgasmos múltiplos para, em seguida, esquecê-lo por completo. "como era mesmo aquela frase de efeito?" "E aquele desencadeamento de ideias tão genial?" Foram embora junto com a água suja de um dia inteiro de trabalho e andanças.

Sento em frente ao computador desolada e seca. Nada sai de mim que não o silêncio cruel de quem acha que perdeu o dom [aonde foi que guardei o bendito?]. 

Em tempo: Ao escrever o título desse post, tive a intenção de escrever "procura-se um dom" e escrevi procura-se um "dor". Danada essa escritora que mora dentro de mim.


Café Viena

Peço licença aos textos profundos e melancólicos desse espaço para falar de um encontro feliz e fecundo. 

Eis que finalmente completei 12 meses no meu trabalho enfadonho e pude usufruir de belos 10 dias de puro ócio e contemplação. Escolhi - uma escolha impulsionada por uma promoção relâmpago da companhia aérea, é verdade - ir conhecer a capital mineira, "belzonte" como dizem, e como eu digo agora que sou íntima de suas ladeiras. 

Mais que um passeio turístico, me interessava verdadeiramente por conhecer 3 pessoas, que virtualmente eu sabia serem talentosíssimas nesse ofício tão ingrato que é a escrita. 

Conhecia há meses [ano?] seus blogs. Lia com frequência os textos fantásticos de Nerito, as poesias sorumbáticas de Simone e os textos de cotidiano de Rodrigo

Então essa era a famosa primeira impressão que tinha deles. Uma primeira impressão baseada num completo desconhecimento de quem eram, o que faziam, por que escreviam, por que [quem] vivem?

E fui conhecê-los, reconhecê-los, com toda ansiedade que um fã [eu sou fã, recuperemos o significado da palavra fã! Admirador] pode guardar.

Nos encontramos todos no melhor local que pode existir para as pessoas serem elas mesmas: um bar. Um local com vasta carta de cervejas e com um petisco [vale a pena!] que engana turistas. 

Foi então que confirmei o que eu já sabia, inclusive, por ser eu também uma [tentativa de] escritora de blog: nossos textos não nos traduzem. São pequenas partes desse emaranhado complexo que somos. São pedaços de nós, mas não nos definem. 

Samuel é alguém de coração franco e de uma simpatia acolhedora, bem diferente de um certo chinês safado de uma certa cidade perdida. Tem alma e brilha.
Simone, por sua vez, em nada me lembrou suas histórias com odor de tristeza e conformação. É alegre e sorri com vontade. E traz convicções em suas ideias que me lembraram um pouco a mim.
Rodrigo, que eu imaginava ser um ébrio ermitão sisudo, é calmo, coerente e, surpreendemente, simpático.

Passei uma noite maravilhosa entre discussões, cachaças, cervejas e confissões. É triste ter sido tão curto o tempo, mas o sono também já me levava lá pela 1 e pouca da manhã. 

Na certeza que a distância é um impedimento para encontros futuros, e é bem provável que nunca nos vejamos pessoalmente de novo, mas na certeza maior ainda que guardarei para sempre em minha memória [enquanto essa resistir] e no meu coração [nesse sim, eternamente] as lembranças de noite tão contente, agradeço aos amigos por terem recebido tão bem essa caçulinha. [falei que me acho mascote de vocês? Sabe "café-com-leite"?].

Meu edifício inteiro.

Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro.
Clarice Lispector


há aspectos da minha personalidade que nem em muitos anos da minha vida, que nem com os melhores terapeutas eu irei conseguir superar. são aspectos já tão enraizados em mim, que extirpá-los significaria anos e anos de procedimentos tão invasivos que acho que chegaria o dia em que eu não saberia quem eu sou. por exemplo, a eterna necessidade de ser diferente. e por ser diferente, eu quero dizer quebrar regras. como a regra que diz que devemos começar toda frase com letra maiúscula. logo me vem a cabeça o porquê. e disso vem outro defeito: tudo eu tenho que questionar. e as coisas têm que ter uma lógica para mim. uma lógica que nem sempre é a do mundo, mas que é a minha, e que o mundo deve se adaptar para ser exato e compreensível para mim. eu quero padronizar os acontecimentos, as pessoas, as ideias. coloco tudo em gavetas separadas e devidamente classificadas. eu quero organizar o impossível.

eu quero dar o meu sentido as coisas dos outros. como se o outro fosse uma extensão de mim. e o outro é esse outro. aquém, além, não sou eu. não é meu. mas se eu não controlo, se eu, de alguma forma, desconfio que não sei, que desconheço, que não faço ideia, eu piro. conto os dedos, ainda são dez. 4 + 6 ainda são dez. e dez e dez são vinte. ainda são vinte. a Terra gira ao redor do Sol. A lua ao redor da Terra. O mundo ainda gira, meus pés ainda estão no chão.

E percebo que eu esqueci de respirar. E agora estou cansada. Não quero mais quebrar as regras. Não quero mais ser eu.

Mas eu não sei ser outra. essa outra, aquém, além, que não seja eu.

E agora, Carlos?

Carlos me falou sobre uma pedra no meio do caminho. Algo incômodo e paralisador que o fez narrar repetidas vezes a banal (?) existência do objeto. Ele estava lá e ninguém poderia negá-lo. Ele via a pedra. A pedra o via em retorno. Ninguém se mexia. A pedra pela sua impossibilidade natural. Carlos, não sei ao certo dizer.

Deixe-me contar, querido Carlos, que também avistei essa pedra e que de pronto, também fiquei imóvel e contemplativa. Chutei a infeliz na intenção de tirá-la das minhas vistas, para me curar de seu efeito hipnótico. A danada acertou o meu dedo mindinho. A dor foi lancinante.

Estudo a pedra com curiosidade. Não deveríamos pulá-la, Carlos? Ela está lá, não podemos negá-la e ela, por sua natureza, não vai a lugar nenhum.

Me questiono: porque não iríamos nós?