[nem te] conto.

O fato de eu não ter levantado os meus olhos do livro não significa que ele não saiba que eu o reconheci. A tremida leve no canto dos meus lábios devem ter me denunciado.
Mas também quem pode me culpar?
É ele quem continua a usar o mesmo perfume. E a mesma blusa xadrez.

Quando ele se aproximou e parou ao meu lado, eu senti a fragrância invadir minha mente de lembranças e meus olhos que iam de um lado pra outro nas páginas do romance paralisaram.

E se não fosse o perfume, eu nem me lembraria dele.
E se não fosse aquela foto nossa que eu guardo no terceiro livro da estante e que eu olho todas as quartas-feiras, eu nem reconheceria o seu rosto.
E se não fosse eu mesmo quem tivesse dado pra ele a blusa xadrez no natal de 2009, ele seria mais um na multidão.

Eu nem me lembrava mais o que estava lendo. Virava as páginas de maneira despreocupada. Umas vezes mais rápido, outras mais devagar. Enquanto ele parado ao meu lado, não fazia nada. Era como se ele tivesse escolhido aquele lugar por acaso.

Eu não fazia ideia de quanto tempo aquilo duraria. Não sabia em que estação estava. Não sabia em que estação ele saltaria.

Depois de um tempo que pareceu uma eternidade, ele se mexeu. Caminhou em direção à porta contrária. Eu levantei a cabeça e o segui com o olhar. A composição parou na estação e ele desembarcou sem olhar pra trás.

Então ele havia realmente me esquecido, como havia prometido fazer.
Que bom que eu também.

3 comentários:

Lia disse...

Sempre estranhei isso, mas hj vejo que é um pouco necessário desconhecer algumas pessoas q fizeram parte das nossas vidas.

Reconhecer é uma coisa, exercitar é bem mais complicado!

Adorei o conto!

AquilesMarchel disse...

meu......isso me lembrou de mim mesmo



me convencendo que esqueci enquanto sufocava vendo certa pessoinha

Fefa Rodrigues disse...

Não sei se posso chamar de sarcasmo... mas eu adoro esse "tom" de seus textos...

"Então ele havia realmente me equecido, como havia prometido fazer. Que bom que eu também"